segunda-feira, 8 de outubro de 2007

DIVERSIDADE CULTURAL E CIDADANIA


A Questão da Diversidade Cultural: conceitos, práticas e possibilidades de atividades.

O conceito de CULTURA

Os seres humanos são interpretativos, instituidores de sentidos. As ações sociais são significativas tanto para os que as praticam como para aqueles que as observam em razão dos muitos e variados sistemas de significados que os seres humanos utilizam para definir os significados das coisas e para codificar, organizar e regular suas condutas uns em relação aos outros; são estes sistema ou códigos de significados que dão sentidos às nossas ações e que nos permitem interpretar as ações alheias; tomados em conjunto, são estes sistemas e códigos de significados que chamamos de nossas “CULTURAS”; toda ação social é cultural e todas as práticas sociais expressam e comunicam um significado, ou seja, são práticas de significação.
Assim, cultura é a soma de diferentes sistemas de classificação e de diferentes formações discursivas a que recorremos para dar significado às coisas, para produzir um tipo de conhecimento, modelando práticas sociais e, ao mesmo tempo, pondo novas práticas em funcionamento; toda prática social depende e tem relação com o significado: embora nem “tudo é cultura”, é preciso reconhecer que a cultura é uma das condições constitutivas de existência da vida social, que toda prática social tem dimensão cultural, tem caráter discursivo..
Todas nossas condutas e ações são moldadas, influenciadas e reguladas normativamente pelos significados culturais. Neste sentido, é fundamental saber quem regula a cultura através da própria cultura; a regulação normativa dá formas, direção e propósito às conduta e práticas dos seres humanos; guiam ações físicas conforme certos propósitos, fins e intenções; tornam nossas ações inteligíveis para os outros; ordenam o mundo no qual cada ação está inscrita nos significados e valores de uma cultura comum.

Com freqüência com a quebra das regras normativas, há mudanças e as fronteiras das regras culturais e normativas são um instrumento poderoso para definir “quem pertence” e quem é o “outro”, o diferente, fora dos limites discursivos e normativos de um determinado modo particular de fazer as coisas.

IDENTIDADE CULTURAL


As identidades sociais são construídas no interior das representações culturais, através da cultura e não fora delas. São resultado de um processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior de definições que os discursos culturais fornecem. Nossas subjetividades são produzidas de modo discursivo e dialógico.

DIVERSIDADE E RELATIVISMO CULTURAL
A diversidade cultural inscreve-se na lógica de dizer que existem várias maneiras de pensar, existir, trabalhar, de regular, normatizar e classificar as ações humanas. Nos países do Terceiro Mundo e que sofreram as descolonizações, o tema da diversidade cultural transformou-se em argumento político em favor da liberação e independência; a partir dos anos 1960 será colocado em evidência um novo vínculo entre cultura e democracia para dar prioridade à promoção de expressões culturais das minorias dentro do contexto do pluralismo cultural; implica aceitação de uma visão plural de mundo, de modos de vida, de direitos fundamentais da pessoa humana, de sistemas de valor, tradições e crenças.

Considerando a extrema diversidade cultural da humanidade, pode-se compreender cada grupo humano, seus valores definidos, suas exclusivas normas de conduta e suas próprias reações psicológicas aos fenômenos do cotidiano; e também suas convenções relativas ao bem e mal, ao moral e imoral, ao belo e feio, ao certo e errado, ao justo e injusto etc.

O relativismo cultural tem três limites:

1º) Tudo é cultura, ou seja, um ato, uma prática, ou um valor, desde que seja feito ou exprima algo que pertença a um determinado povo, e apareça como uma expressão da cultura dele, a partir desse momento não pode mais ser julgado, porque isso faz parte da cultura desse povo.

2º) Tudo se equivale, isto é, o relativismo cultural leva ao relativismo moral, – o bem e o mal, o fato da mutilação, de vender crianças como mercadorias, etc. – porque, se faz parte da tradição de um povo, então é uma boa maneira de defendê-la. Neste ponto o relativismo moral conduz a uma espécie de relativismo político.

3º) O relativismo cultural não leva em conta que, em qualquer sociedade, em qualquer momento da história, existem contradições dentro dessa sociedade, dentro dessa cultura.

Questionamentos:
1. Quais serão as conseqüências disso, num mundo em que fundamentalismos religiosos, racismos, nacionalismos, etc., têm se tornado cada vez mais comuns?
2. Como agir diante da diversidade, do pluralismo, multiculturalismo numa sociedade globalizada?

A cultura nem sempre é coisa bonitinha, com imagens bonitinhas e sentimentos bonitinhos, onde ninguém se ofende com ninguém. Ela é feita de golpes e contra-golpes. De críticas e provocações. De insultos. De violências. De abismos. E de blasfêmias.

DIREITOS CULTURAIS
Todos os seres humanos têm direitos a cultura, ao direito de usufruir e desenvolver sua vida cultural e identidades. Contudo, estes direitos não são ilimitados e não podem infringir outros direitos humanos nem causar danos ou destruição; os direitos culturais não podem ser invocados para justificar atos que conduzam a violação ou negação de outros direitos humanos e liberdades fundamentais; usar o “relativismo cultural” para justificar ou negar direitos é um abuso do direito de cultura.

Existem limitações legítimas e substantivas das práticas culturais. Tomemos como exemplo a escravidão. Atualmente nenhuma cultura pode alegar direito legítimo em praticar a escravidão. Da mesma forma, direita cultural não podem justificar genocídios, torturas, mutilações, assassinatos, discriminações baseadas em sexo, etnia, língua, religião.

Não se trata pensar a construção de sociedades democráticas, mas de salvaguardar os seus princípios como prática e como idéia, posto que a democracia está à prova, onde se acreditava que estivesse solidamente instalada. Indaga-se sobre a necessidade de estabelecer limites ao relativismo cultural e a urgência com que devem ser buscadas respostas para as possibilidades de articulação dos valores universais e das especificidades culturais.

Chama a atenção os perigos de um multiculturalismo absoluto, pleno de recusa do outro, que promove a fragmentação do espaço político e a degradação da democracia. Indica-se que apenas a conjunção do singular, do particular e do universal será capaz de realizar um novo modelo de integração, supondo, idealmente, que cada um se reconheça, para além das diferenças individuais e de grupo, numa visão política comum porque a democracia não é possível senão quando um direito comum regula a coexistência das liberdades individuais e particulares.

Gênero
Construção social dos papéis masculino/feminino dentro de uma cultura; compreensão da forma como se constituem as relações entre homens e mulheres identificando o significado e a dinâmica das desigualdades e do poder, das hierarquias, preconceitos e estereótipos.

Raça
Campo semântico onde o conceito “raça” é determinado pela sociedade e relações de poder; os conceitos raciais (negro, branco, mestiço, ariano, judeu, etc) não significam a mesma coisa no Brasil, nos EUA, na Noruega ou África do Sul; seu conteúdo é étnico-semântico, político e ideológico.


Racismo
Ideologias essencialistas ( Natureza) que divide as sociedades humanas em grandes grupos de “raças” definidas a partir de características físicas comuns que seriam suportes de características psicológicas, morais, intelctuais e estéticas numa escala de valores desiguais.

Etnia
Conceito baseado numa perspectiva sócio-cultural, histórica e psicológica. É uma coletividade de pessoas que partilham alguns padrões de comportamento normativo, ou cultura, e que representam uma parcela de um grupo populacional mais amplo, interagindo no quadro de um sistema social comum como, por exemplo, o Estado; os membros de uma etnia compartilham de valores culturais próprios e se comunicam por meio de uma língua que é também própria. As pessoas que constituem essa população se identificam, e são reconhecidas pelos outros como membros da etnia; articula-se com as lutas de classe, o nacionalismo, as particularidades de gênero, os processos da cultura e da história.

(Autora: Profa. Dra. Eliane Moura da Silva - Dep. de História/UNICAM)
Bibliografia:
  • Aquino, Júlio Groppa (org). Diferenças e Preconceitos na Escola: alternativas teóricas e práticas. SP, Summus, 1998.
  • Arantes, Antonio (org). O Espaço da Diferença. Campinas, Papirus, 2000.
  • Azevedo, Célia M.M. Anti-Racismo e seus paradoxos (reflexões sobre cotas raciais, raça e racismo). SP, AnnaBlume, 2004
  • Bauman, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. SP, Jorge Zahar, 2001.
  • Burity, Joanildo (org). Cultura e Identidade: Perspectivas Interdisciplinares. RJ,
    Canclini, Nestor. Culturas Híbridas. SP, EDUSP, 1977.
  • Cuéllae, Javier Pérez de (org). Nossa Diversidade Criadora: Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento. Campinas: Papyrus, Brasília: UNESCO, 1997.
  • Hall, Stuart. A Questão da Identidade Cultural. Campinas, Unicamp, 1996.
    Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte,Ed UFMG/UNESCO, 2003
  • Karnal, Leandro (org.) História na sala de aula. SP, Contexto, 2003.
  • Martins, Maria Helena Pires. Somos Todos Diferentes – Convivendo com a Diversidade no Mundo. SP, Ed. Moderna, 2001.
  • Pochman, Marcio e Amorin, Ricardo. Atlas da Exclusão Social no Brasil. SP, Cortez, 2003.
  • Schwarz, L.M. e Queiroz, R.S. Raça e Diversidade. SP, Estação Ciência, 1996.